Análise Exegética das Leituras do 3º Domingo do Advento – Ano A
1.0 Introdução: O Domingo da Alegria ("Gaudete")
O Terceiro Domingo do Advento é tradicionalmente conhecido como Domingo "Gaudete", um nome derivado da antífona de entrada da missa em latim, que exorta: "Alegrai-vos!". Este dia marca um ponto de inflexão no tempo de preparação para o Natal; a tonalidade penitencial das semanas anteriores é suavizada por uma alegria expectante, pois a vinda do Senhor está cada vez mais próxima. As leituras deste domingo — a profecia de Isaías, a exortação de Tiago e o diálogo no Evangelho de Mateus — entrelaçam-se de forma magistral para construir uma narrativa coerente sobre a natureza desta alegria. Elas nos conduzem da promessa de uma salvação transformadora à paciência necessária na espera, culminando na confirmação de que o Messias esperado já atua no meio do seu povo. A análise se inicia com a visão radiante do profeta Isaías, que estabelece o fundamento da esperança celebrada neste dia.
2.0 Primeira Leitura: A Promessa da Salvação em Isaías 35,1-6a.10
O capítulo 35 do Livro de Isaías se destaca como um luminoso oráculo de restauração e esperança para um povo que conheceu o sofrimento e o exílio. Inserida entre profecias de juízo, esta passagem irrompe como uma promessa vibrante da intervenção definitiva de Deus, que não apenas restaurará seu povo, mas também renovará toda a criação. Este texto serve como o alicerce profético para a compreensão do ministério messiânico, delineando os sinais concretos que acompanhariam a chegada do Salvador.
Análise Exegética do Texto
2.1 A Transformação da Criação (vv. 1-2)
A profecia inicia com imagens poderosas de renovação cósmica. A "terra deserta e intransitável" e a "solidão" não são apenas descrições geográficas, mas profundos símbolos da desolação, do exílio e da ausência da bênção divina. A promessa de que este ermo irá "florescer como um lírio" e exultar "de alegria e louvores" aponta para uma transformação radical e total. A menção à "glória do Líbano" и ao "esplendor do Carmelo e de Saron" — regiões conhecidas por sua fertilidade exuberante — serve para ilustrar a magnitude desta renovação. A criação restaurada se torna o palco onde os habitantes "verão a glória do Senhor, a majestade do nosso Deus", indicando que a salvação divina será uma realidade visível e inconfundível.
2.2 O Chamado ao Ânimo (vv. 3-4)
Diante de uma promessa tão grandiosa, o profeta se volta para a condição humana do povo, marcada pelo desânimo e pela fraqueza. O imperativo "Fortalecei as mãos enfraquecidas e firmai os joelhos debilitados" é um chamado pastoral para reavivar a esperança em meio ao abatimento. A causa para este novo vigor não reside na força humana, mas na certeza da intervenção divina, expressa de forma direta e consoladora:
"Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é ele que vem para vos salvar".
A mensagem é inequívoca e teologicamente densa. A salvação é um ato gracioso de Deus, mas ela comporta uma dualidade crucial: é ao mesmo tempo salvação para os oprimidos e "vingança" ou juízo divino contra as estruturas de opressão. Esta menção à vingança é fundamental, pois molda a expectativa messiânica de um juiz que retribuirá o mal. É precisamente esta visão de um Deus que vem para salvar e para julgar que será o pano de fundo para a crise existencial de João Batista no Evangelho.
2.3 Os Sinais da Salvação (vv. 5-6a)
A profecia não se detém em generalidades; ela detalha os sinais específicos que validarão a chegada desta era de salvação. Esses sinais são reversões diretas das mais profundas limitações e sofrimentos humanos:
- Abertura dos olhos dos cegos: Mais do que a cura física, este sinal simboliza a iluminação espiritual, o fim da escuridão da ignorância e do pecado, e a capacidade de perceber a presença e a ação de Deus.
- Abertura dos ouvidos dos surdos: Representa a capacidade de finalmente ouvir e acolher a Palavra de Deus, o fim da insensibilidade espiritual que impede a obediência e a fé.
- O coxo que saltará como um cervo: Indica a restauração da liberdade de movimento, da dignidade e da plenitude de vida, superando tudo o que paralisa e oprime.
- A libertação da língua dos mudos: A língua que se "desatará" significa a explosão do louvor e da proclamação. Aqueles que antes eram silenciados pelo sofrimento agora podem dar testemunho das maravilhas de Deus.
2.4 O Retorno Triunfal a Sião (v. 10)
A passagem culmina com a visão do retorno dos redimidos a Sião, a cidade de Deus. Este retorno não é melancólico, mas uma procissão triunfal. As expressões "cantando louvores" e "infinita alegria brilhando em seus rostos" pintam um quadro de júbilo consumado. A promessa final de que "não mais conhecerão a dor e o pranto" projeta esta esperança para uma dimensão escatológica, a realização plena da salvação de Deus.
A liturgia deste domingo insere, de forma sapiente, o Salmo Responsorial como uma confirmação orante da esperança de Isaías. O refrão "Vinde Senhor, para salvar o vosso povo!" (cf. Is 35,4) ecoa diretamente a promessa profética. Os versos do Salmo 145(146) reforçam a imagem de um Deus que age concretamente em favor dos vulneráveis: "O Senhor abre os olhos aos cegos, o Senhor faz erguer-se o caído". O Salmo, portanto, funciona como uma ponte teológica, internalizando a promessa e transformando-a em súplica confiante, enquanto antecipa as obras que Jesus apresentará como suas credenciais messiânicas.
A promessa de uma alegria que brota da libertação total, profetizada por Isaías e rezada no Salmo, encontra um contraponto prático na exortação de São Tiago, que orienta a comunidade sobre como perseverar enquanto aguarda o cumprimento desta promessa.
3.0 Segunda Leitura: A Paciência Firme na Espera em Tiago 5,7-10
A Carta de São Tiago é um texto eminentemente prático e pastoral, focado na vivência concreta da fé cristã. Nesta passagem específica, o autor se dirige a uma comunidade que aguarda a segunda vinda de Cristo, a Parousia. O desafio é manter a fé e a coesão comunitária durante este tempo de espera, que pode ser marcado por provações e pela tentação do desânimo. A leitura oferece, portanto, uma ética para o tempo do Advento: uma orientação sobre a postura espiritual e o comportamento que devem caracterizar aqueles que esperam o Senhor.
Análise Exegética do Texto
3.1 A Metáfora do Agricultor (v. 7)
Para ilustrar a virtude central da espera cristã, Tiago recorre a uma imagem universal и poderosa: a do agricultor. Ele "espera o precioso fruto da terra e fica firme até cair a chuva do outono ou da primavera". Esta analogia é rica em significado. A paciência do agricultor não é passividade ou inércia; é uma paciência ativa e esperançosa. Ele faz sua parte — prepara a terra, lança a semente — e depois espera com confiança a ação de Deus, manifestada nas chuvas sazonais, que está fora de seu controle. Da mesma forma, o cristão deve trabalhar pela fé, mas esperar com firmeza a vinda do Senhor, que acontecerá no tempo determinado por Deus.
3.2 A Exortação à Fortaleza (v. 8)
A metáfora é imediatamente aplicada à comunidade: "Também vós, ficai firmes e fortalecei vossos corações". A firmeza e a força interior são essenciais para não sucumbir à ansiedade ou ao desespero. A justificativa teológica para essa perseverança é clara e urgente: "porque a vinda do Senhor está próxima". Esse senso de iminência não deve gerar pânico, mas sim moldar o comportamento presente, conferindo seriedade e propósito a cada ação.
3.3 A Proibição da Murmuração (v. 9)
Tiago aborda um perigo concreto que ameaça a comunidade em espera: a discórdia interna. A advertência "não vos queixeis uns dos outros" revela que as tensões e os conflitos podem minar a vigilância cristã. A queixa mútua é incompatível com a espera pelo "juiz que está às portas". A proximidade do juízo divino exige reconciliação, perdão e unidade, não ressentimento e divisão. A espera pelo Senhor tem uma dimensão comunitária e ética fundamental.
3.4 O Exemplo dos Profetas (v. 10)
Para fortalecer a comunidade, Tiago oferece um modelo concreto de perseverança: "tomai por modelo de sofrimento e firmeza os profetas, que falaram em nome do Senhor". Os profetas do Antigo Testamento, como o próprio Isaías, frequentemente enfrentaram rejeição e perseguição. Seu testemunho prova que é possível permanecer firme na fé mesmo em meio à adversidade. No contexto das leituras de hoje, esta exortação evoca imediatamente a figura de João Batista, o último e maior dos profetas, que personifica essa firmeza profética precisamente no sofrimento de sua prisão.
A tensão entre a promessa gloriosa de Isaías e a paciente espera exortada por Tiago encontra seu ponto de convergência no Evangelho, onde a pergunta crucial sobre a identidade de Jesus é finalmente respondida.
4.0 Evangelho: A Confirmação do Messias em Mateus 11,2-11
Esta passagem do Evangelho de Mateus nos coloca em um cenário de grande dramaticidade e profundidade teológica. João Batista, o grande precursor que anunciou a vinda do Messias com fogo e juízo, encontra-se agora na prisão. A partir de sua cela escura, surge uma pergunta que ecoa a expectativa de todo o Israel. A resposta de Jesus não será uma simples autodeclaração, mas uma demonstração inequívoca de que as antigas profecias de salvação estão, naquele exato momento, se cumprindo em suas ações.
Análise Exegética do Texto
4.1 A Pergunta de João Batista (vv. 2-3)
Enquanto estava na prisão, João "ouviu falar das obras de Cristo" e enviou seus discípulos com uma pergunta direta: "És tu, aquele que há de vir, ou devemos esperar um outro?". Esta não é uma questão de incredulidade, mas uma profunda crise teológica. Como o profeta escatológico, João anunciou um Messias que corresponderia a ambas as facetas da profecia de Isaías: salvação e juízo ("vingança"). Seu anúncio era o de um juiz implacável com o "machado já posto à raiz das árvores" (Mt 3,10). Contudo, as "obras de Cristo" que chegam aos seus ouvidos são de cura, misericórdia e acolhida de pecadores. João não duvida do poder de Jesus, mas questiona se o método de Jesus — um ministério focado na restauração em detrimento do juízo iminente — corresponde plenamente ao papel messiânico que ele foi enviado a anunciar.
4.2 A Resposta de Jesus: As Obras como Evidência (vv. 4-6)
Jesus não responde com um "sim" direto. Em vez disso, ele aponta para as evidências, para os fatos que os próprios discípulos de João podiam testemunhar: "Ide contar a João o que estais ouvindo и vendo". As obras de Jesus são a resposta. A conexão com a profecia de Isaías 35 é tão explícita que se torna a chave hermenêutica para compreender a identidade messiânica de Jesus. Esta hermenêutica de cumprimento é apresentada de forma inequívoca:
Ações de Jesus (Mateus 11,5) | Profecia de Isaías (Isaías 35,5-6a) |
os cegos recuperam a vista | se abrirão os olhos dos cegos |
os paralíticos andam | O coxo saltará como um cervo |
os surdos ouvem | se descerrarão os ouvidos dos surdos |
Jesus acrescenta a cura dos leprosos, a ressurreição dos mortos e, como clímax de sua resposta, a afirmação de que "os pobres são evangelizados". Esta última obra, que ecoa a profecia de Isaías 61,1 (citada na Aclamação ao Evangelho), define o propósito central de sua missão: trazer a Boa Nova da salvação aos mais marginalizados. A bem-aventurança final — "Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim!" — é um convite direto a João e a todos os ouvintes para que ajustem suas expectativas e acolham este Messias que salva através da misericórdia, um método que poderia "escandalizar" quem esperava apenas o fogo do juízo.
4.3 O Testemunho de Jesus sobre João (vv. 7-11)
Após a partida dos discípulos, Jesus oferece um elogio extraordinário a João Batista, confirmando sua importância fundamental na história da salvação.
- Não é um caniço nem um cortesão (vv. 7-8): Jesus usa imagens retóricas para exaltar o caráter de João. Ele não era um "caniço agitado pelo vento", alguém frágil e sem convicções. Tampouco era um "homem vestido com roupas finas", um cortesão que busca o luxo dos palácios. Pelo contrário, João era um profeta austero, de integridade inabalável.
- Mais do que Profeta (vv. 9-10): Jesus eleva João acima de todos os profetas anteriores. Ele é "mais do que profeta" porque não apenas anunciou a vinda do Messias de longe, mas foi o mensageiro imediato, "aquele de quem está escrito: 'Eis que envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o teu caminho diante de ti'" (cf. Malaquias 3,1). Ele é a ponte entre a Antiga e a Nova Aliança.
- A Transição para o Reino (v. 11): A declaração final é paradoxal e profunda: "de todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista. No entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele". Esta frase marca a superioridade qualitativa da nova era inaugurada por Cristo. João representa o ápice da era da promessa. Contudo, até o menor discípulo que vive na era do cumprimento, participando diretamente da realidade do Reino inaugurado por Jesus, possui um status superior. A diferença não é de mérito pessoal, mas de realidade histórico-salvífica.
Este encontro entre a pergunta de João e a resposta de Jesus serve como o ponto central que nos permite tecer as três leituras em uma única e poderosa mensagem teológica.
5.0 Síntese Teológica: A Convergência das Escrituras no Advento
A justaposição das leituras deste domingo não oferece meramente um panorama da teologia do Advento; ela constrói um argumento teológico que redefine a própria natureza da alegria messiânica. O que emerge não é uma simples celebração da promessa cumprida, mas o convite a encontrar alegria em um cumprimento que subverte as expectativas.
A Promessa Cumprida de Modo Inesperado
O argumento central se articula na tensão entre a profecia de Isaías e sua encarnação nas obras de Jesus. Isaías promete salvação e vingança. João Batista, como o maior profeta da antiga aliança, espera ambas. Jesus, em sua resposta, evidencia o cumprimento inequívoco dos sinais de salvação, mas silencia sobre o juízo imediato. Ele se revela como o Messias ao cumprir a promessa, mas de uma forma que prioriza a misericórdia restauradora. A alegria do Advento, portanto, não é a satisfação de ver todas as expectativas atendidas, mas a fé em um Deus cuja salvação é mais radical e desconcertante do que se imaginava.
A Ética da Espera no "Escândalo" da Misericórdia
É aqui que a exortação de Tiago se torna crucial. A paciência do agricultor e a firmeza dos profetas são as virtudes necessárias para perseverar não apenas na demora da Parousia, mas também na aparente incompletude da ação messiânica de Jesus. A comunidade é chamada a fortalecer o coração, como João na prisão, e a não se queixar, mesmo quando o agir de Deus não corresponde a um desejo humano por retribuição imediata. O Advento se torna o tempo de aprender a viver na tensão do Reino que já foi inaugurado na misericórdia, mas ainda não foi consumado no juízo final.
A Alegria Fundamentada na Confiança
Neste contexto, a alegria ("Gaudete") deste domingo revela sua profundidade. Não é a alegria triunfalista de quem vê seus inimigos punidos, mas a alegria teológica fundamentada na confiança de que o Deus que prometeu salvação em Isaías é o mesmo que a realiza em Jesus Cristo. É a alegria de descobrir que a "vingança" de Deus se manifesta, primeiramente, em curar o que está ferido e libertar o que está cativo. A alegria do Advento nasce da bem-aventurança de não se escandalizar com um Messias cuja maior glória é a sua misericórdia.
6.0 Conclusão: A Mensagem do Advento para Hoje
A análise exegética das leituras deste domingo nos interpela diretamente. Assim como João Batista, somos convidados a sair da prisão de nossas próprias dúvidas e de nossas expectativas messiânicas — sejam elas de um Deus que resolva magicamente nossos problemas ou de um juiz que aniquile rapidamente aqueles que consideramos maus. A resposta de Jesus permanece a mesma: "Ide contar o que estais ouvindo e vendo". Somos desafiados a reconhecer os "sinais" de sua presença nos atos de cura que restauram a dignidade, na libertação de tudo o que oprime o ser humano e, sobretudo, na proclamação da Boa Nova aos pobres e marginalizados de nosso tempo.
Ao mesmo tempo, somos chamados a cultivar a paciência firme do agricultor, abraçando um Messias cujas ações podem "escandalizar" nossas noções de poder e justiça. A verdadeira alegria do Advento, portanto, não reside na comemoração de um evento passado ou na expectativa de um futuro distante, mas na capacidade de reconhecer "aquele que há de vir" já presente e atuante, transformando os desertos de nosso mundo em jardins de esperança, muitas vezes de maneiras que desafiam e superam nossas mais ousadas previsões.



