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Comentário Exegético sobre Lucas 7,31-35

 


O texto de Lucas 7,31-35 apresenta Jesus criticando seus contemporâneos por sua falta de abertura e discernimento em relação à mensagem de Deus, seja por meio de João Batista, seja por meio dele próprio. A passagem oferece uma reflexão profunda sobre como a rejeição e a incompreensão podem nos afastar das diversas maneiras pelas quais Deus se revela.


1. Contexto do Texto

Para compreender o significado de Lucas 7,31-35, é importante situá-lo no contexto imediato do Evangelho. Nos versículos anteriores, Jesus fala sobre João Batista, elogiando-o como o maior dos profetas, mas também destacando que muitos rejeitaram sua mensagem. Ao mesmo tempo, Jesus se dirige à multidão, que também o rejeita. Nesse trecho, Jesus denuncia a atitude crítica e indiferente daqueles que, mesmo diante de sinais e profetas, permanecem céticos.

O pano de fundo social e religioso dessa rejeição é importante. Jesus e João Batista vêm em um período de fervor messiânico em Israel, mas a expectativa do povo por um messias político e militar contrasta com a humildade e o caráter espiritual das missões de João e Jesus. Este contexto ajuda a entender por que tanto João quanto Jesus foram mal compreendidos.


2. “A quem, pois, compararei os homens desta geração?” (v. 31)

Jesus começa sua crítica com uma pergunta retórica, demonstrando frustração com a atitude da geração a que se dirige. O termo “geração” aqui não se refere apenas às pessoas de sua época, mas a uma mentalidade comum: a resistência ao novo e ao não convencional.

A expressão "homens desta geração" revela uma insensibilidade espiritual. Embora Jesus e João Batista fossem mensageiros divinos, as pessoas não estavam dispostas a acolher as novas formas de Deus agir. Essa observação ressoa profundamente em todas as épocas: muitas vezes, as gerações não conseguem perceber a presença de Deus em suas próprias realidades, pois esperam que Ele aja conforme seus desejos e preconceitos.


3. A Parábola das Crianças na Praça (v. 32)

Jesus faz uma comparação com crianças que brincam nas praças e chamam umas às outras, insatisfeitas tanto com a música festiva quanto com os cantos de lamentação. A metáfora é direta: o povo está insatisfeito, independentemente da mensagem que Deus lhes envia.

“Tocamos flauta para vós e não dançastes; entoamos lamentações e não chorastes.”

Essas crianças podem representar aqueles que reclamam continuamente, nunca satisfeitos com o que lhes é oferecido. Assim como as crianças insatisfeitas que Jesus descreve, a geração que rejeitou tanto João Batista quanto Ele próprio não se deixou tocar pelas mensagens de austeridade ou de alegria.

Essa passagem nos ensina que muitas vezes não é a mensagem que está em questão, mas sim a disposição interna de quem a ouve. A dificuldade de acolher a Palavra de Deus não está na falta de clareza ou beleza da mensagem, mas na resistência e na dureza dos corações. O Evangelho desafia os ouvintes a refletirem sobre suas atitudes e a se abrirem à ação divina, mesmo que ela venha em formas inesperadas.


4. “Veio João Batista, que não comia pão nem bebia vinho, e dizeis: ‘Ele tem demônio’.” (v. 33)

Aqui, Jesus se refere diretamente a João Batista, cuja vida ascética e severa foi motivo de escândalo para muitos. João vivia no deserto, pregava a penitência e levava uma vida de extrema austeridade. A reação do povo foi acusá-lo de estar possuído por um demônio.

Essa reação revela uma tendência humana: quando uma mensagem é desconfortável ou exige mudança, a resposta imediata é rejeitar ou desacreditar o mensageiro. João Batista, com seu estilo de vida austero, desafia o status quo, e em vez de acolher sua mensagem de arrependimento, as pessoas o desqualificam.

Para nós, isso é um convite a refletir sobre como reagimos diante de desafios espirituais. Quando confrontados com a necessidade de mudança, estamos prontos para acolher a mensagem ou rapidamente encontramos desculpas para rejeitá-la?


5. “Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizeis: ‘Eis aí um comilão e beberrão, amigo dos publicanos e pecadores’.” (v. 34)

Se João Batista foi rejeitado por sua austeridade, Jesus foi rejeitado por sua convivência com as pessoas comuns, especialmente com aqueles marginalizados pela sociedade judaica, como publicanos e pecadores. Ao comer e beber com eles, Jesus demonstrava a inclusão do Reino de Deus para todos, mas essa atitude foi vista como escandalosa pelos líderes religiosos e muitos outros.

Enquanto João representava a severidade e a penitência, Jesus personificava a misericórdia e a inclusão. Porém, ambas as abordagens foram rejeitadas. Isso evidencia como a crítica constante e a falta de abertura podem nos cegar para a ação de Deus.

Esse versículo desafia o leitor a refletir sobre como muitas vezes rejeitamos a misericórdia de Deus quando ela não vem de forma convencional ou quando desestabiliza nossos preconceitos.


6. “Mas a sabedoria é justificada por todos os seus filhos.” (v. 35)

Jesus termina com um enigmático provérbio: "a sabedoria é justificada por todos os seus filhos". Essa afirmação pode ser entendida de várias maneiras, mas parece que Jesus está dizendo que, independentemente das críticas e rejeições, a verdadeira sabedoria de Deus se manifestará e será reconhecida por aqueles que são seus.

Os "filhos da sabedoria" são aqueles que acolhem a mensagem de Deus, independentemente da forma como ela chega. Seja através da austeridade de João Batista ou da misericórdia de Jesus, aqueles que são abertos à sabedoria divina a reconhecerão em qualquer circunstância.

Este versículo nos lembra que a verdade de Deus não depende da aceitação humana, mas será sempre validada pelos frutos que produz. Aqueles que têm o coração aberto reconhecerão essa sabedoria, e ela trará transformação e vida.


Conclusão

A exegese de Lucas 7,31-35 revela a complexidade da rejeição do povo à mensagem de Deus, tanto na figura de João Batista quanto na de Jesus. O que está em jogo não é a mensagem em si, mas a disposição interna de quem a ouve. A resistência à mudança, a insatisfação com o que é oferecido e o preconceito com relação ao mensageiro impedem que muitos acolham a ação divina em suas vidas.

Essa passagem nos convida a examinar nossas próprias atitudes diante da Palavra de Deus. Estamos abertos a ouvir e acolher a sabedoria de Deus, mesmo quando ela vem de maneiras que não esperamos? Reconhecemos a presença de Deus em situações que desafiam nossos preconceitos? O chamado do Evangelho é para que tenhamos corações abertos, prontos a dançar ao som da flauta da alegria e a chorar com as lamentações da penitência, se for isso que Deus nos pede.


Perguntas para Reflexão:

  1. De que maneiras eu tenho resistido à voz de Deus em minha vida?
  2. Tenho preconceitos que me impedem de reconhecer a ação de Deus em determinadas pessoas ou situações?
  3. Como posso ser mais aberto à sabedoria de Deus, mesmo quando ela me desafia ou desconforta?